“Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5: 7-9).
Este texto se refere ao sofrimento e angústia de Jesus no Jardim do Getsêmani. Ali Sua agonia e horror são indescritíveis. Jesus antes de orar ao Pai, disse a Pedro, Tiago e João: “A minha alma está profundamente triste até à morte” (MT 26:38). Não podemos penetrar com profundidade nestas palavras, mas podemos imaginar que o Senhor Jesus teve uma visão antecipada do seu terrível sofrimento e sua indescritível agonia na cruz do Calvário que se aproximavam, quando seria abandonado por todos e pelo próprio Pai a ponto de perguntar: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”. Naquela cruz maldita Jesus sofreu as angústias do inferno. No Getsêmani Jesus sofreu antecipadamente as tristezas de sua morte, não apenas a morte física, mas a morte eterna em lugar das suas ovelhas. Ondas e vagalhões passaram sobre Ele: “... todas as tuas ondas e vagas passaram sobre mim” (Sl 42:7b).
Jesus não apenas sabia que Judas o trairia ― “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar” (Sl 41:9) ―, não apenas sabia que Pedro o negaria, que o Sinédrio o condenaria de forma injusta, que Pilatos o sentenciaria dizendo “... crucificai-o”, que seus inimigos zombariam dele dizendo: “Profetiza, quem é que te feriu?”; Jesus não apenas sabia que seria cravado e levantado pelos soldados em uma cruz infame, mas também que ficaria cada vez mais sozinho, que seus discípulos o abandonariam e que Seu Pai lhe viraria as costas e lhe derramaria o cálice de Sua ira santa até a última gota; Ele sabia que Satanás e suas hostes o assaltariam para fazê-lo se desviar do caminho da obediência ao Pai: “Muitos touros me cercam, fortes touros de Basã me rodeiam. Contra mim abrem a boca, como faz o leão que despedaça e ruge” (Sl 22:12-13).
Jesus em toda sua vida carregara sob Si o peso da humilhação, mas agora o clímax deste seu estado de humilhação se aproximava. Não é de estranhar que Jesus “levando consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu” começasse a “entristecer-se e a angustiar-se”, e lhes dissesse: ”A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo” (MT 26:37-38). “Velem comigo”, disse Jesus. Não é estranho vê-lo desejar ajuda, conforto e encorajamento naquela hora. Mas, estranho é ver tamanha tristeza, tristeza de morte e humilhação, que fez com que o Pai naquela hora, ao vê-lo prostrado sobre o seu rosto e dizendo “Meu Pai, se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres”, enviar-lhe um anjo para confortá-lo. Que angústia!: “... o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra”! Que humilhação!: Quem é este tão fraco que necessita de uma criatura para confortá-lo e encorajá-lo? Não é Ele o próprio criador do mundo? — “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez” (Jo 1:3).
Olhando para este quadro o escritor de Hebreus diz: “Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte”. Jesus orando e suplicando nos aponta para seu ofício sacerdotal, sua obra sacrificial. Essas orações e súplicas revelam a profundidade da agonia espiritual e física de Jesus: “gotas de sangue caindo sobre a terra”. Jesus carregou nossos pecados e bebeu o cálice da ira de Deus contra o pecado — “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5:21). Jesus morreu por pecadores e se colocou diante de Deus como o mais ímpio dos pecadores. Ele ficou sozinho, orou sozinho, bebeu até a última gota do cálice da ira de Deus sozinho, suportou, sofreu, sangrou, e morreu sozinho, para salvar suas ovelhas (Jo 10:11).
Jesus falou ao Pai “com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas”. Sua voz se fez ouvir. Ali Ele morria a segunda morte por nós, vis pecadores (Ap. 2:11). Não podemos compreender tal agonia — Por nós Jesus experimentou o próprio inferno. A quem Jesus se dirige em seus rogos? “... a quem o podia livrar da morte”. Este não foi um ato de ignorância da Sua missão, ou um ato de covardia do Senhor, pois que sabia que fora para morrer por miseráveis pecadores que havia nascido; Ele sabia do pacto feito com o Pai desde a eternidade. Mas Jesus via e sentia a agonia e os horrores de experimentar o abandono do Pai. Jesus orou para que a vontade de Deus fosse feita: “Pai, se queres... todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22:42). Jesus sabia que havia sido comissionado para redimir os eleitos.
Teria sido ouvida a oração de Jesus? Um anjo é enviado para confortá-lo; era um mensageiro do Pai, mas não lhe é retirada a agonia. O escritor de Hebreus diz “tendo sido ouvido por causa da sua piedade”. Aqui está e resposta. Jesus pediu que a vontade do Pai prevalecesse; o Pai aponta-lhe a cruz e, em reverente obediência, o Filho se submete à Sua vontade.
Que maravilhosa obediência, que gracioso amor do Redentor, que “tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem”.
Glória ao Redentor!
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Manoel Canuto. Editorial da Revista Os Puritanos, nº4, 2008.