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Foto do escritorOs Puritanos

Uma Hora Após a Morte! (James Smith, 1859)

Soube que um querido amigo meu morreu inesperadamente, e foi isso que me motivou a escrever as palavras a seguir. Ele se foi e agora já está em outro mundo.

Eu também morrerei dentro de certo tempo. Pode faltar pouquíssimo para que eu morra. Meditemos, portanto, na morte e na primeira hora após a morte.

Suponhamos que eu morra entre amigos: ainda assim, meus olhos continuarão fechados; meu corpo, jazendo inerte dentro de um cômodo, será deitado e coberto por um lençol branco. Inconsciente, inanimado, imóvel, mera porção de massa e matéria, este corpo haverá de ser carregado até o túmulo, onde permanecerá fora da vista dos homens, do contrário seria degradante. Sim, mesmo o familiar mais próximo, aquela pessoa que mais me amou, mesmo essa dirá: “Enterre o meu morto fora da minha vista!”. E quanto à alma? E quanto à parte imortal daquele corpo, a mais real parte do homem, o que aconteceu com ela?

Uma hora depois de morrer, ONDE eu estarei?

Ah, essa pergunta! Onde?! Depende inteiramente de onde eu estou AGORA, de onde e como a morte me ENCONTRAR. À semelhança de Judas, cada qual irá para o seu próprio lugar. Onde me encontro agora? Para onde eu iria hoje?

É possível ir para o inferno e ter de erguer os olhos sofrendo os tormentos eternos, implorando por conforto. Que suposição apavorante! Uma possibilidade, mas que não é impossível.

Caso eu morra sob a culpa do pecado, sem ter experimentado o novo nascimento, é certo que o inferno será a minha porção. A não ser que nasça de novo, o homem não verá o reino de Deus.

Ser achado no inferno uma hora depois de morrer, que pensamento apavorante! Lá não haverá orações, o sofrimento não suscitará compaixão, não haverá quem ouça e se importe com seus gritos e suas lágrimas. Os portões da esperança estarão eternamente fechados. A agonia e o desespero serão a porção perpétua.

Agora, e caso eu morra crente em Jesus? E se eu houver sido limpo e purificado em seu sangue, travestido com sua justiça, santificado por seu Espírito, unido à Pessoa do Salvador? Onde, então, eu estarei uma hora depois da morte? Ah, que visão gloriosa! Meu destino será a presença de Jesus! Sim, ouvirei sua doce voz, verei sua face adorável, estarei diante de seu glorioso trono! Serei encontrado no céu, no lar dos santos, na casa do Deus vivo, a pátria da santidade, da felicidade e do amor. Minha porção será conhecer o Paraíso. Saberei o que significa a perfeita santidade. Perderei todas as minhas vontades terrenas, e serei dominado por tudo aquilo que eu poderia desejar e por muito mais que eu conseguiria imaginar.

Ah, estar com Jesus eternamente, sentar-se para sempre com Abraão, Isaque e Jacó no reino de Deus, desfrutar da companhia dos profetas, apóstolos, mártires e santos ministros da Palavra por toda a eternidade! Que posição nobre! Que gloriosa companhia! Experimentarei alegrias inefáveis! Ah, que transformação haverei de experimentar!


Uma hora depois de morrer, COMO eu estarei e O QUE eu serei?

Serei um espírito puro e santo, não mais acorrentado, aprisionado, embaraçado e ferido por um corpo de carne, ou de pecado e de morte. Serei um filho de Deus, desfrutando do meu relacionamento com com o Pai em seu lar celestial, cercado por miríades de irmãos e irmãs, todos em perfeita e santidade, perfeita felicidade. Serei um santo, integralmente santificado, aperfeiçoado para ser usado nas mãos do meu Mestre. Será impossível duvidar de minha eleição, questionar meu chamado à filiação, suspeitar de minha sinceridade. Serei santo como meu Pai é santo; serei perfeito como meu Salvador é perfeito. Serei sem mancha, diante do trono de Deus.

Ah, que maravilhoso mistério: alguém como eu, tão repleto de faltas, desesperadamente depravado, horrendamente maculado, ser julgado sem culpa pelo Juiz de toda a terra!

Agora, mas e se eu morrer fora de Cristo, sem me arrepender, à parte da santidade? Terrível coisa! Uma alma perdida! Um pecador destruído! Condenado a sofrer eternamente da justa ira de Deus, dos mais amargos remorsos, dos piores terrores de consciência! Afogado em autocondenação, condenado por todos ao meu redor, um espetáculo da miséria, um monumento da justa condenação de Deus, uma testemunha aterrorizada da santidade e da verdade divina. Conhecerei, então, o significado daquelas terríveis palavras: “indignação, ira, tribulação, angústia, fogo, enxofre, horrendas tempestades”. Terei de experimentar o que significa “ser lançado consciente no lago de fogo e enxofre”, e sentir os horrores desconhecidos da “segunda morte”.


Que coisa tenebrosa é o pecado, o meu pecado, a ponto de exigir tão pavorosa condenação das mãos do justo Deus, a ponto de demandar coisa tão terrível de um Deus que é essencialmente amor! Ah, de pensar que eu poderia ser uma alma perdida, companheiro dos demônios e das almas que perecem eternamente!


Uma hora depois de morrer, QUAL será minha OCUPAÇÃO?

Como hei de me ocupar? Jesus é o meu Mestre, seu serviço é meu deleite, sua glória é meu fim? Se agora eu vivo para Deus, ando com Deus e me esforço por agradar a Deus, logo posso esperar ser designado a louvar o nome do Senhor, cantar seu amor, adorar suas gloriosas perfeições. Serei ocupado de prazeres, meu serviço será meu prazer. Estarei entre os redimidos do Senhor, andarei em pureza com Jesus e eternamente louvarei seu nome com instrumentos de ouro!


Livre de pensamentos errantes, livre de imaginações frívolas, livre das setas do maligno, livre do meu coração corrupto, livre de companhias profanas! Nada disso poderá interromper, incomodar ou proibir meu serviço nos céus. Não, mas Deus e o Cordeiro farão puro, pacífico e feliz!


Mas e se Satanás for meu mestre, seu serviço meu prazer, e o prazer próprio meu fim? Então eu me ocuparei com a escuridão, com o terror e com dores indizíveis! O que farei senão trazer tormento sobre mim mesmo e piorar o sofrimento dos outros? O que farei senão odiar a mim mesmo e todos aqueles que sofrem comigo? A mente estará sempre consciente, e cada exercício mental não fará nada exceto acrescer ainda mais terror ao pavor já experimentado.


Cada pensamento acerca de Deus, acerca de sua justiça ou misericórdia será mais uma gota no cálice do sofrimento. Cada pensamento do passado servirá para agravar as agonias do presente. Olhar adiante, contudo, será ainda pior. O que há adiante? A ETERNIDADE! Duração sem fim. A tenebrosa existência sem modificações para melhora. O tenebroso “para sempre”. A esperança estará morta, sua sentença de morte já terá sido cumprida. O reino sem fim do desespero terá entrado em cena. O tempo da esperança acabou. Ao futuro restará tão só o juízo de Deus, cujas ameaças serão executadas. Quão apavorante seria tal ocupação!


Uma hora depois de morrer, QUAIS serão meus SENTIMENTOS?

Quais serão os meus sentimentos, o que haverei de sentir se o céu for meu por direito, se a eterna felicidade estiver-me garantida, se a aprovação de Deus for-me dada, se a segurança de bênçãos imutáveis estiverem ao meu perpétuo alcance? Ah, que tamanho deleite, que gratidão, quanta paz, que santo louvor! Aquilo que sentiremos como espíritos felizes nenhuma língua consegue descrever, nenhuma pena consegue transcrever, não há idioma que consiga traduzir. Que sentimentos inefáveis teremos com a visão de Jesus, com o cântico dos santos, com as glórias ocultas de Deus! Que sensações sentiremos quando livres de toda dor, livres do pecado, finalmente vitoriosos sobre Satanás, cônscios dos desejos de santidade mais elevados! Temos, por isso, de morrer para conhecermos os mais plenos sentimentos de gratidão, alegria, deleite e amor; uma hora depois de morrermos haveremos de conhecer tudo isso.


No entanto, e se eu houver perdido o céu, se o inferno for o meu lugar, se minha porção for a eterna destruição, destituído da presença do Senhor? Ah, que sentimentos terríveis! Amargos remorsos! Que pensamentos agonizantes! Quantos medos! Quanto pavor! O desespero eterno! Sofrimentos apavorantes! E, para tanto, deveremos morrer debaixo da maldição de Deus, morrer desprezando o Evangelho, morrer sem perdão, e assim então conheceremos quão terríveis serão os sentimentos de uma alma perdida; uma hora depois da morte já estaríamos conscientes de tudo isso.


Leitor, você é um desses que morrerá nesse estado? Leitor, você brinca com a possibilidade de morrer assim? Você vive no pecado? Você, leitor, negligencia sua própria alma? Você presume a misericórdia de Deus? Você se endurece e cauteriza seu coração no pecado cada vez mais?


Uma hora depois de morrer, QUAIS serão meus PENSAMENTOS?

Uma hora depois de nossa morte, basta uma hora. Depois disso, quão diferentes serão nossos pensamentos acerca do dinheiro, dos prazeres, dos deleites das nossas luxúrias; tudo que estimamos e desejamos no presente, tudo será diferente depois dessa uma hora.

Esforcemo-nos para ter os pensamentos que teremos depois de uma hora de nossa morte!

Miremos o céu, empenhemo-nos em pensar nele!


Projetemo-nos no inferno, e então pensemos como seria estar lá!


Façamos esse exercício diário, e então percebamos como todas as coisas terão outras cores!


Porfiemos, esforcemo-nos, batalhemos de forma imediata, desde agora, de todo o coração, por ter nosso lugar no céu; sejamos incessantes, importunemos batendo à porta, busquemos entrar no reino de Deus até que o tenhamos, até que um lugar nele seja nosso!

 

James Smith (1802–1862) precedeu Charles Spurgeon na New Park Street Chapel, em Londres, de 1841 a 1850, e foi também um abençoado ministro em Cheltenham, Inglaterra. Sua obra devocional, The Believer’s Daily Remembrancer: Pastor’s Morning and Evening Visit, era bastante popular em sua época, e recebeu novo vigor por meio de reimpressões recentes.

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