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Os Puritanos e a Responsabilidade do Ministério » D.J. MacDonald


Whitefield

Vez após vez os Puritanos escreveram sobre este tema. O reformador Hugh Latimer disse num sermão, “Deus vos tem ordenado a pregar. Se você não alerta o ímpio, ele morrerá em sua impiedade, mas eu exigirei contas do seu sangue, na vossa seara”. “Atentai para isso, marcai bem; Eu pedirei o sangue dele, na vossa seara. Se você não der forma ao seu ofício, se você não ensinar e não alertar aos povos, recebereis a condenação eterna por isso”.[1] Essas breves citações parecem capturar o espírito dos Puritanos, uma vez que eles consideravam terrível a responsabilidade daqueles que pregavam a Palavra de Deus aos seus semelhantes. Nós, na nossa época, faríamos bem em deixar estas palavras penetrarem em nossos ouvidos, pois nossa responsabilidade não é menor do que era a deles, embora vivamos numa época muito mais frívola, na qual a seriedade em cada faceta da vida parece ser dispensada dos pensamentos da maioria dos homens.

Um pregador da Nova Inglaterra, Daniel Dana (nascido em 1760), ecoa este tema da responsabilidade ministerial quando diz, “Ao Cristão em particular são confiados os assuntos de uma alma, e quando ele reflete que sua breve passagem pela vida dará compleição a toda a sua eternidade e que ele está constantemente na divisa entre infindáveis alegrias ou misérias, o pensamento deve calar no mais fundo do seu espírito. Mas ao ministro é confiado o cuidado para com centenas de almas. De fato, milhares e dezenas de milhares de seres imortais, estejam perto ou longe, sejam existentes ou ainda por virem a nascer, podem receber seu selo para eternidade sob a influência do ministro. Que considerações avassaladoras são estas! Quão perfeitas para massacrar um espírito frágil! Todavia o ministro de cuja mente elas são banidas, não aprendeu a primeira lição da sua vocação”.

“É tarefa constante, recorrente, do ministro Cristão, conversar com as sublimidades do evangelho — meditar nos seus mistérios profundos e insondáveis. Estes são os assuntos que ocuparam desde a eternidade a mente do Deus infinito. São estes os temas nos quais mentes angelicais se perdem. Aqui estão envolvidos ao mesmo tempo as glórias da Divindade e o destino eterno de milhões de seres criados. E qual o espírito em que temas como estes devem ser compreendidos? Mente nenhuma, a não ser aquela profundamente séria, está preparada para adentrar esta área santificada”.

“O verdadeiro ministro olha para além do tempo. Ele está cercado por seres imortais que se esquecem da sua imortalidade, com criaturas moribundas que vivem somente para este mundo; com pecadores que, inconscientes da sua culpa e depravação, negligenciam suas almas e o seu Salvador. O verdadeiro ministro vive menos para o presente do que para o futuro. Ele tem a eternidade em seus olhos. Ele vive e ele age, ele ora e prega para a eternidade. Assim é que há milhões de anos, sua vida e seus atos, seus sermões e suas preces podem ser lembrados por milhões de seres além dele próprio, com alegria ou angústia indizíveis”.[2] Não nos admira que até o Apóstolo Paulo disse, “... E para estas coisas quem é idôneo?” (II Co 2:16).

Flavel escreve nas mesmas linhas: “Nós temos uma solene carga dada por Cristo: ‘Conjuro-te, pois, diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino, que pregues a Palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda longanimidade e doutrina’ (II Tim 4:1-2). Deve ser realmente uma droga poderosíssima, que pode embrutecer e anestesiar a consciência de um ministro, de forma a ele não sentir a terrível autoridade de tal carga. As almas imortais e preciosas dos homens são a nós confiadas, almas a respeito das quais Deus ocupou os Seus pensamentos desde a eternidade, tendo-as como propósito de Cristo derramar o Seu próprio sangue, pela vitória. E pelas bodas Dele próprio com elas, Jesus vos colocou no ofício e de cujas mãos ele também exigirá contas quanto a elas, no grande dia”.

Depois de citar o versículo, “E assim, sabendo o temor do Senhor, persuadimos aos homens...” (2 Co 5:11), Flavel continua, “Ó amados, acautelemo-nos de cometermos, ou de negligenciarmos, qualquer coisa que possa colocar-nos no círculo dos terrores daquele dia. Que a nossa diligência, nossa fidelidade, nossa constância e seriedade, induzam a um testemunho nosso diante das nossas congregações, como fez o apóstolo diante da sua, em Atos 20:26 — que estou limpo do sangue de todos”.[3]

Ao escrever sobre o ministério, muitos escritores Puritanos, vez após vez, enfatizam o ponto de que homem algum na terra encontra-se em posição mais solene do que o ministro do evangelho. Ninguém terá de prestar conta de tanto, no último dia. Esta visão do ministério tem estado perdida nos nossos dias. Contudo, estejamos convencidos da verdade desta visão e busquemos graça e humildade para aplicá-la a nós mesmos, estando convencidos de que não se trata de demanda de nenhuma era ou época na história da Igreja de Deus, mas a exigência da Palavra de Deus em todas eras. Thomas Brooks diz, “Agora seria melhor para um homem ter sobre si o sangue do mundo inteiro, do que o sangue de uma alma. O sangue das almas, acima de todos os sangues, clama mais alto e fere mais profundamente. Por esta razão aquela passagem de Paulo em I Coríntios 9:16: ‘... ai de mim, se não pregar o evangelho!’. O moto que deveria ser colocado na porta do escritório dos pregadores, nas suas paredes, em todos os livros que eles lêem e nas cadeiras em que se assentam deveria ser este: ‘o sangue de almas, o sangue de almas!’ Foi um conforto e uma honra para Paulo, que ele manteve-se puro do sangue de todos”.[4]

Sob o título de responsabilidade ministerial nós podemos apropriadamente citar as palavras de Richard Baxter, onde ele falava particularmente a ministros na obra “the oversight of ourselves” (“o nosso próprio erro”): “Não se contentem com um estado de graça, mas tenham cuidado também com que suas graças sejam mantidas em exercício vigoroso e animado e que vocês preguem a si mesmos os sermões que vocês preparam, antes de pregá-los a outros”.

“Eu confesso”, ele continua, “e devo dizê-lo por lamentável experiência própria, que eu transmito ao meu rebanho os distúrbios da minha própria alma. Quando permito que meu coração se esfrie, minha pregação é fria. Muitas vezes posso observar no melhor do meu povo que quando minha pregação se torna fria, eles também se esfriam. Nós somos as amas dos pequeninos de Cristo. Se negligenciarmos o nosso próprio alimento, ficaremos desnutridos e isso logo será visível na magreza deles e no desempenho irresponsável de suas diversas tarefas. Ó amados, cuidem, portanto, dos seus próprios corações; afastem-se de luxúrias e de paixões e das inclinações mundanas; busquem a vida de fé, de amor e de zelo. Acima de tudo, estejam sempre em oração e meditação em secreto. Cuidem, portanto, das suas próprias almas e das dos demais”.

“Cuidem de si mesmos, para que o seu exemplo não contradiga sua doutrina; para que não se ponham tal como muro na frente de cegos, o que pode ser a oportunidade para a ruína deles; para que o seu procedimento não desminta o que proferem suas línguas e venha a ser o maior obstáculo para o sucesso dos seus próprios labores. Muito atravanca a nossa obra quando outros homens passam toda a semana contradizendo às pobres pessoas, em particular, o que nós lhes pregamos da Palavra de Deus publicamente; mas muito maior prejuízo para a sua obra será se houver contradição em vocês mesmos, se os seus atos propiciarem mentira às suas línguas; e se o que vocês construírem com suas bocas durante uma hora ou duas no domingo, depois passarem o restante da semana a destruir com suas mãos. Este é o caminho para fazer homens acharem que a Palavra de Deus é nada senão uma fábula sem fundamento e tornar a pregação não melhor que conversa sem propósito. Aquele que intenta o que fala, certamente fará o que fala. Uma palavra orgulhosa, esnobe, arrogante, uma disputa desnecessária, um ato de inveja, pode matar um sermão, e destruir os frutos de tudo o que vocês tenham estado a fazer”.

“Vocês dão tão pouca importância ao seu trabalho que não lutarão contra uma injúria ou contra uma palavra errada, ou não se submeterão ao mais humilde, nem refrearão seu orgulho próprio e palavras altivas, para ganhar almas? É um erro palpável de alguns ministros que fazem tal desproporção entre sua pregação e seu modo de viver, que estudam muito sobre como pregar corretamente — e estudam pouco, ou nada, sobre como viver corretamente. A semana inteira é pouco para estudarem sobre como pregar durante duas horas; e todavia uma hora somente lhes parece demais para estudar sobre como viver durante a semana. Eles relutam, hesitam em colocar mal uma palavra em seus sermões, mas não pensam sobre dispensar inapropriadamente as afeições, palavras e ações no decurso de suas vidas. Oh, curioso é como tenho ouvido pregações de homens, e observado como vivem negligentemente. É certo, amados, que nós temos grande razão para cuidar do que fazemos, tanto quanto do que dizemos. Se somos de fato os servos de Cristo, não devemos ser línguas de servos somente, mas devemos servi-Lo com todos os nossos atos. Como o nosso povo deve ser praticante da Palavra, e não somente ouvinte, assim também nós devemos ser praticantes da Palavra, e não somente porta-vozes”.

“Cuidem-se, para que vocês não vivam nestes pecados contra os quais vocês pregam a outros, e para que vocês não sejam culpados daquilo que vocês diariamente condenam. Vocês farão seu trabalho de magnificar a Deus e, estando aquela tarefa cumprida, desonrá-Lo tanto quanto os demais? Pregarão vocês sobre as leis de Deus para então, voluntariamente quebrá-las? Se os juízos de Deus são verdadeiros, por que vocês não os temem? Se são falsos, por que então incomodam aos homens desnecessariamente e os põem tão alarmados sem motivo? ‘Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?’ (Rm 2:23). O que! A mesma língua que fala o mal, falará também contra o mal? Julgarão e difamarão e reprovarão estes lábios ao próximo, lábios estes que levam a cabo tal como os outros? Ó amados, é mais fácil esconder-se no pecado do que sobrepujá-lo. Cuidem de si mesmos, sob pena de condenar o pecado e todavia não vencê-lo”.[5]

____________

[1] Citado por Iain Murray no documento acima.

[2] Da "A Importância da Seriedade para um Ministro Cristão", republicado na "Banner of Truth Magazine", agosto de 1957, e na "Gospel Tidings Magazine", outubro de 1997.

[3] Works, vol 6, p 583f

[4] Works, vol 3, p 209.

[5] O Pastor Reformado, p 61ff.

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