Muitas pessoas gostam de frequentar cultos de adoração a Deus. Contudo, esse gosto, em si, não é necessariamente um sinal de verdadeira espiritualidade. Temos que perguntar o que é que causa esse gosto. Então descobriremos a diferença entre uma verdadeira mudança espiritual e a mera renovação moral do caráter.
Algumas pessoas podem sentir-se grandemente atraídas pela realização exterior do culto — pregação eloquente, música agradável, cerimônia solene (Ezequie1 33:31,32; João 5:35). É certo que é preciso que haja zelo e ordem no culto que realizamos, mas a pessoa que pensa espiritualmente não está interessada só nessas coisas. Na verdade, essa pessoa tem consciência do perigo de que essas coisas sejam uma distração que nos afasta do culto real. Dois homens podem gostar do mesmo jardim: um, por causa do seu colorido e do seu aroma; o outro, por conhecer de perto a natureza e os benefícios do uso das flores e das ervas. A mentalidade espiritual é como este último.
A satisfação derivada de um culto religioso pode provir do sentimento de dever cumprido. Algum conforto pode ser auferido da ideia de que talvez a frequência aos cultos possa diminuir a culpa por pecados cometidos e conhecidos.
Até crentes se portam de maneiras espirituais por reconhecê-las como deveres, porém há diferença entre cumprir um dever para obter algum conforto, e fazê-lo porque com isso se pode conhecer melhor a Deus.
A razão pela qual alguns podem auferir algum conforto da frequência aos cultos, embora não tenham mentalidade espiritual, é que eles acreditam que com isso conseguem crédito perante Deus (Romanos 10:3). Sua ideia de justiça é de algo que eles próprios constroem. A pessoa sente certo prazer resultante de aparentemente contribuir dessa maneira para o seu próprio crédito.
Outros podem auferir prazer do seu comportamento religioso simplesmente porque secretamente gostam de ser considerados tipos melhores de pessoas. Pode ser que alguns se orgulhem de serem considerados devotos. Isso pode ser especialmente verdadeiro em todo sistema religioso no qual, na competição entre uns e outros, é pela boa reputação que consegue progresso espiritual.
Finalmente, eu penso que devo insistir em que, no caso de alguns, o prazer pelas observâncias religiosas surge de ideias supersticiosas que podem afetar o pensamento em todas as religiões — tanto falsas como verdadeiras. As pessoas podem usar a religião como uma espécie de seguro contra a possibilidade de lhes sobrevir alguma desgraça, se a negligenciarem. Quase não preciso dizer que nenhuma pessoa que pensa espiritualmente busca conforto do culto por essa razão.
O ponto que eu quero defender é que é possível a pessoa sentir-se bem com um comportamento religioso por razões erradas. Grande parte dos cultos que se realizam no mundo é inaceitável para Deus. Em seguida, vou querer examinaras razões pelas quais a pessoa que pensa espiritualmente tem prazer no culto.
As pessoas que têm mentalidade espiritual encontram tanto gozo em todos os aspectos da adoração a Deus que não querem ficar sem ela. É por isso que tem havido tantos mártires — eles preferiam morrer a parar de adorar. Muitas vezes Davi expressou a saudade que as pessoas que pensam espiritualmente experimentam quando lhes é negada a oportunidade de adorar (Salmos 42: 1-4; 63:1-5; 84: 1-4). Além disso, o amor que Jesus Cristo tinha pelas atividades de adoração não é posto em dúvida (João 2: 17).
De que maneiras os que pensam espiritualmente auferem seu prazer da participação nos deveres do culto religioso? Como é que essas maneiras diferem das experiências do incrédulo, que também pode encontrar alguns benefícios no culto? Quero sugerir diversas áreas nas quais há diferenças significativas entre estas duas classes de pessoas.
Aquelas em cuja vida ocorreu uma verdadeira mudança espiritual têm prazer nas atividades de adoração porque vêem que a sua fé, o seu amor e o seu gozo em Deus são estimulados por meio delas. Tais pessoas não realizam meras formalidades. Simplesmente praticar alguma ação na presença de Deus não tem valor em si (Isaías 1: 11; Jeremias 7:22,23). Tudo o que Deus nos manda fazer não é simplesmente para que o façamos, mas porque fazê-lo é o meio de avivar o amor, a confiança, o prazer e o temor a Deus. É isso que a mentalidade espiritual experimenta. Para os que a têm, a adoração é o meio de incitar maior amor a Deus.
As pessoas que não têm experiência de renovação espiritual nada mais podem fazer do que realizar formalidades. A tragédia é que esse comportamento insulta o próprio Deus que elas pensam agradar, pois Ele odeia a formalidade vazia. Mas não há nada mais que tais pessoas possam fazer. A força da sua própria incredulidade indica que não há nada senão formalidade em sua adoração (I saías 29:13,14).
Para evitarem essa atuação vazia na adoração, os crentes verdadeiros se preparam para auferir o maior benefício de tais ocasiões. Eles sabem que a fé é o único meio de se aproximarem de Deus; que o amor é o único meio de Lhe obedecerem; que a reverência e o prazer espiritual são os únicos meios de viverem junto dEle. Os que se beneficiam da adoração vêm prestá-la esperando fazer uso de todas estas atividades da alma. Vir ao culto sem saber por quê, sem cuidar como adorar, não é só deixar de beneficiar-se da experiência, mas, de fato, é distanciar-se ainda mais de Deus.
Jamais vi prosperar espiritualmente um crente que negligenciasse a adoração pública. Portanto, seria bom pensar um pouco mais na natureza da verdadeira adoração. O propósito de Deus ao chamar-nos para a adoração é que a nossa fé e o nosso amor sejam alimentados. Isso não acontece automaticamente. Precisamos preparar-nos antes de vir ao culto. Também precisamos usar nossas mentes e nossos corações enquanto adoramos (Eclesiastes 5:1,2). Facilmente podemos distrair-nos muito e preocupar-nos mais com a forma exterior do que com o verdadeiro sentido e poder. Precisamos certificar-nos de que os nossos cultos de adoração contenham só aquelas coisas que Deus pede em Sua Palavra. Qualquer prazer que se possa auferir de cerimônias religiosas não claramente requeridas de nós, não provém de fé, e sim de fantasia!
Admito que pode haver mais prazer no ministério de alguns oficiantes do culto do que de outros. Isso não se deve tanto a diferenças de educação ou de maneiras entre eles, e sim da adequação dos dons espirituais de uns às nossas necessidades melhor que a de outros. Mas essas diferenças do efeito do culto sobre nós de quando em quando não alteram o fato de que a verdadeira adoração está em que ela desperta e revigora a fé e o amor dos que foram renovados espiritualmente. Para todos os outros o único prazer possível na adoração é o prazer de apreciar aexcelência de alguma habilidade puramente humana.
Uma segunda razão para haver prazer na adoração, prazer experimentado pelos que foram renovados espiritualmente, é que as atividades do culto (pregação, oração, louvor, comunhão, etc.) são meios pelos quais os crentes experimentam realmente a presença de Deus. Nós nos aproximamos de Deus na expectativa de que a fé e o amor sejam estimulados; porém quando a expectação se cumpre, o prazer aumenta.
Por meio da adoração a alma renovada espiritualmente recebe certeza do amor de Cristo. É isso que o Espírito Santo faz por nós (Romanos 5 :5), e Ele o faz por meio das atividades do culto.
Na adoração o crente renascido ouve Cristo bater à porta do coração (João 14:23; Apocalipse 3:20). A adoração é o jardim onde Cristo vem encontrar-se com aqueles que Ele ama (Cantares de Salomão 7: 12). As lembranças de outrora, do tempo em que a alma teve esta experiência recebida de Cristo, aumentarão o prazer experimentado em todas as ocasiões subseqüentes.
Vir ao culto cheio de outros pensamentos, ou ignorando quais pensamentos deveríamos ter, será dar surgimento à mornidão, à frieza e à indiferença. Devemos sobressaltar-nos ao encontrarmos esses sinais de decadência em nossos corações.
Finalmente, os que foram renovados espiritualmente podem ter prazer na adoração porque sabem que esse é o meio de glorificar a Deus, sendo esse o principal propósito do culto. Jesus deixou isso claro na oração modelo que ensinou aos Seus discípulos para que dela fizessem uso (Mateus 6:9-l3). Essa oração está cheia do desejo de que a glória de Deus seja manifestada na terra. A nossa segurança e a nossa prosperidade espiritual como crentes depende de ser atendida essa oração. O nosso amor a Deus é que nos motiva a anelar que a Sua glória seja vista. Por isso os crentes se deleitam em fazer qualquer coisa que manifeste essa glória.
Quem não vier ao culto com esse desejo não obterá dessa ocasião nenhum prazer, senão o pobre prazer de supor que o seu culto o glorificará aos olhos de Deus — o que, como já vimos, não acontece.
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Extraído do livro Pensando Espiritualmente, John Owen, Editora PES, pp. 65-72 (Recomendamos a leitura deste livro)