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A Origem da Profecia Segundo o VT » O. Palmer Robertson


A Palavra Final

A profecia bíblica teve suas origens no Velho Testamento, o que é algo importante. Profecia não é um fenômeno específico do Novo Testamento, mas algo que recua às mais antigas experiências do povo de Deus. Mas, quando e onde a profecia surgiu pela primeira vez? Surpreendentemente, a profecia não teve suas origens na época das grandes figuras do oitavo século a.C., tais como Isaías, Miqueias e Oseias. Na verdade, a profecia teve início num cenário muito mais antigo.

O movimento profético, no Velho Testamento, originou-se com Moisés. Na realidade, a profecia vetero­testamen­tária alcançou seu ponto de maior glória em Moisés. Opondo-se a todos os conceitos que apontam uma evolução de desenvolvimento à religião em Israel, o ponto culminante do movimento profético encontrou sua expressão em Moisés, o profeta e legislador original em Israel. Ele desempenhou um papel singular como mediador da Palavra de Deus em relação ao povo de Israel.

Nos dias anteriores a Moisés, Deus falou pessoalmente aos líderes das várias famílias patriarcais. O chefe paterno comunicaria, então, a Palavra de Deus a seu clã. Como, porém, iria Deus comunicar sua palavra a uma hoste de mais de um milhão de pessoas quando saíram do Egito? O Senhor se revelaria simultaneamente a 600.000 chefes de famílias? Ou iria Ele prosseguir ao longo das eras subsequentes da história de Israel, fazendo trovejar sua própria voz do céu como fez no Sinai?

O povo de Deus experimentou pessoalmente fortes emoções a esse respeito. Suplicaram a Moisés: dá-nos um substituto para esta aterradora experiência de ouvir a voz trovejante de Deus (Dt 18.16). Em resposta à solicitação do povo, Deus providenciou um mediador profético e estabeleceu um ofício profético. Um homem receberia a Palavra de Deus no monte e subsequentemente intermediaria a palavra ao povo que lá embaixo tremia. Foi assim que a profecia teve sua origem.

Diversas conclusões importantes podem ser extraídas acerca da natureza da profecia bíblica como uma consequência das circunstâncias em torno de seu estabelecimento. As origens da profecia revelam questões de importância constante acerca da essência do fenômeno.

a. A voz, frágil e simples do profeta, substitui todos os sinais apavorantes do Sinai. A voz trovejante de Deus, os relâmpagos, o fogo, a fumaça, o terremoto, o clangor de trombeta aumentando cada vez mais – todos esses fenômenos assustadores encontram seu substituto na voz de um único israelita falando no meio de seus irmãos. A despeito de seu tom relativamente manso, cada palavra do profeta flui como sendo a própria voz de Deus.

b. A origem da palavra genuinamente profética não será encontrada nas experiências subjetivas de um homem. O profeta não sofre de alucinação quando declara: “Assim diz o Senhor”. A própria Palavra de Deus vem ao encontro do profeta, e o seu veículo de comunicação é a própria voz do homem propositalmente escolhido. É Deus, e não as experiências subjetivas de alguém, quem determina a palavra profética.

c. A palavra do profeta não é primariamente preditiva em sua natureza. A tarefa primordial de Moisés, ao entregar a lei no Sinai, não era predizer o futuro, e, sim, declarar a vontade revelada de Deus. Nem sequer uma única predição é encontrada nas “dez palavras”, o coração da revelação comunicada através de Moisés.

É preciso entender corretamente a distinção comum entre a “proclamação” da palavra profética e a “predição” do futuro pelo profeta. Desde o início, a “proclamação” da Palavra de Deus foi justamente tanto uma revelação da infalível, inerrante e perfeita Palavra de Deus quanto sua “predição” do futuro. Não é simplesmente o caso que a proclamação do profeta sobre vários assuntos do dia fosse um tipo de “pregação” com autoridade reduzida, enquanto que sua “predição” do futuro fosse inspirada, inerrante e infalível em seu caráter.

Na realidade, a essência do profetismo é sempre definida na Bíblia em termos dessa “proclamação” da própria Palavra de Deus, esteja aí envolvida ou não uma predição do futuro. Ocasionalmente, o profeta podia predizer um evento futuro. Obviamente, esse tipo de percepção podia ocorrer somente por revelação divina. Mas a essência da profecia não era determinada pelo elemento preditivo, e, sim, pela natureza da alocução do profeta como sendo a própria Palavra de Deus.

Geerhardus Vos trata desse tema em seu artigo intitulado “A ideia de cumprimento da profecia nos evangelhos”. Com respeito à natureza da profecia, diz ele:

“Em conexão com o precedente (a ideia de cumprimento da profecia), pode suscitar-se a seguinte pergunta: Qual é precisamente a força do “pro” no termo designativo “profeta”? “Profeta” significa “vaticinador”, ou significa “proclamador”, isto é, “aquele que fala em seguida a palavra a ele revelada por Deus”? No hebraico, nabhi encontra expressão no último, e é, por assim dizer, uma circunstância não expressa de que a palavra proclamada em muitos casos acaba sendo uma ‘predição’.”(1)

Profecia não deve ser definida essencialmente como uma predição do futuro. Ao contrário, ela é uma proclamação de uma revelação divina que ocasionalmente pode também envolver a predição de eventos futuros.

Essa perspectiva sobre a essência da profecia é importante para a avaliação da questão da continuação da profecia em nossos dias. Obviamente, ninguém pode predizer infalivelmente as condições específicas de um evento futuro, como foi o caso da profecia bíblica, a menos que tenha experimentado uma revelação direta da parte de Deus. Mas é igualmente verdade que ninguém pode “proclamar” a Palavra de Deus no sentido profético sem experimentar uma revelação direta de Deus. Seja como um “vaticinador” ou como um “proclamador”, o profeta terá comunicado a revelação da parte de Deus. Se uma pessoa afirma que a profecia bíblica continua hoje em qualquer uma de suas formas básicas, deve-se esclarecer que tal pessoa está expressando a convicção de que a revelação continua hoje. Enquanto que um pregador contemporâneo pode exercer um ministério “profético” em seu púlpito, ele não pode “profetizar” no sentido bíblico como visto na história das origens do profetismo.

d. Pode-se obter uma conclusão adicional com respeito à natureza da profecia com base em suas origens, como preservadas na Escritura. O propósito supremo do pacto divino não pode ser alcançado a não ser que uma figura profética esteja entre o Senhor e seu povo.

O propósito divino no pacto consistia em ser um com seu povo. Ao estabelecer uma relação pactual, o Senhor vinculou-se intimamente a seu povo. Mas essa intimidade da relação com Deus pretendida pelo pacto não pode realizar-se a não ser que um mediador profético esteja entre Deus e o povo. Enquanto um mediador não descesse do alto do monte ao povo em baixo, a unidade pactual não seria plenamente consumada.

Este ponto é realçado por Paulo em sua afirmação: “o mediador não fala da parte de apenas um” (Gl 3.20). A presença de um mediador implicitamente pressupõe uma separação de pessoas entre si. A não ser que Deus mesmo fosse o próprio mediador da palavra divina, não seria possível cumprir-se a unidade de comunhão pretendida pelo pacto. Então a necessidade da obra intermediária da figura profética desapareceria.

Essa perspectiva sobre o propósito final do profetismo é confirmada pelo testemunho dos documentos do novo pacto. O escritor da epístola aos Hebreus fala da finalidade da revelação profética como encontrada em Jesus Cristo. Deus falou previamente de muitas e diferentes maneiras, através de muitos e diferentes mediadores proféticos. Mas Ele agora tem falado definitivamente pela mediação do Filho (Hb 1.1). Quando a revelação profética viesse diretamente pela mediação de Jesus Cristo, então o propósito principal do pacto teria sido concretizado. Experimentar a revelação de Deus através do Filho significa ser um com o próprio Deus.

___________

Primeira parte do Capítulo 1, "Profecia Hoje", do livro "A Palavra Final", O. Palmer Robertson, Ed. Os Puritanos, 1ª edição digital, 2015, Recife, PE. Disponível em:

(1) Geerhardus Vos, “The Idea of ‘Fulfilment’ of Prophecy in the Gospels”, in Richard B. Gaffin, ed., Redemptive History and Biblical Interpretation, Phillipsburg, N.J., 1980, p. 354.

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